Se fosse só a falência das finanças…

24-10-2012 17:40

Há algumas semanas atrás ouvi o presidente da câmara do Cartaxo anunciar publicamente, de forma muito tranquila, a falência da sua autarquia. Confesso que fiquei chocado com a ligeireza do anúncio. Foi como se estivesse a anunciar que a lâmpada do candeeiro de uma qualquer rua do concelho estivesse fundida, e por isso iria ser substituída.  

 

De repente o Cartaxo vê-se a mendigar ao governo da Nação um resgate financeiro que nos vai custar a todos mais de 74 milhões de euros, a pagar em 20 anos; os impostos e taxas municipais vão ser aumentados para valores máximos para que possamos pagar o que nos vão emprestar; a câmara deixa de ter qualquer possibilidade de fazer mais do que assegurar serviços mínimos; e passa-se a mensagem que não é nada de mais! É tudo normal!

 

Bem sei que são muitos anos de poder absoluto, com uma gestão recheada de caprichos, suportada por uma maioria política confortável também agradada com os favores e empregos do regime, em que tudo foi permitido, onde a voz dos mais cautelosos foi sendo constantemente ignorada… mas há limites!


Assumir um desequilíbrio estrutural financeiro do município do Cartaxo, vulgo falência, e atirar que a culpa é da crise internacional, da crise nacional, do desemprego e da “curva ascendente de investimentos significativos do concelho” é, no mínimo, um abuso! É até um absurdo inexplicável!

 

A câmara do Cartaxo ultrapassou os limites do endividamento a médio e longo prazo, o endividamento líquido é superior a 175% das receitas municipais, não se cumpre com a obrigação de redução desse endividamento, o prazo médio de pagamento a fornecedores é superior a seis meses. Dito de outra forma: quem teve responsabilidade de gerir a câmara, sobretudo nos últimos anos, gastou o que tinha e o que não tinha! E o que não tinha foi pedi-lo emprestado aos bancos, tirou-o do bolso dos seus fornecedores, não cumpriu protocolos com as coletividades, com as freguesias, etc.. E a culpa é da crise???

 

Sei bem que a legitimidade democrática é intocável, respeito-a por completo mas isso não me impede a mim, como não impedirá ninguém, de ter um sentido crítico e expressá-lo. E é tempo de o expressar mesmo! Basta! Basta de caprichos! E sobretudo de inventar desculpas!

 

Não nos bastava a austeridade severa a que o país está exposto, agora teremos ainda mais austeridade em cima. Vai-nos sair do bolso a todos com certeza! Vamos passar 20 anos a pagar mais de 74 milhões de euros, 20 anos em que o progresso do concelho vai ficar congelado.

 

O desequilíbrio financeiro estrutural da câmara do Cartaxo é atestado por todas as entidades que tutelam as autarquias locais. Este desequilíbrio foi assumido, apesar da ligeireza, porque quem hoje tem a responsabilidade do governo do município.

 

O plano de reequilíbrio financeiro aprovado pela assembleia municipal contempla os números e os prazos que acima referi. Não posso por isso compreender como é que o anterior presidente da câmara do Cartaxo, há alguns dias atrás, respondeu numa entrevista que: “É uma dívida que tem perfeitas condições para ser paga, sem afetar gerações futuras, num prazo máximo de 10 anos, toda ela.” Sem afetar gerações futuras?

 

Há quem não assuma, com estranha displicência, o estado dramático a que este concelho foi destinado. Há quem assuma esta falência com total ligeireza. E há ainda quem, com estranha falta de coragem, permaneça mudo e calado.

 

E perante tudo isto, e para concluir, arrisco a dizer que não se trata só da falência das finanças da câmara. É também a falência de um projeto político em que uma maioria depositou confiança.

 

É muito mais do que lâmpadas fundidas. A solução... essa não deverá ser diferente!

 

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José Augusto de Jesus